quinta-feira, 30 de agosto de 2012

12. Conhecendo o pai(aço) ou Os donos da noite.




Conhecendo meu pai(aço)

Ele não era de aço, nem ferro, nem o iron man.
Ele era punk, magrelo, alto, com jaqueta de couro.. e de moto. Sim, couro, jeans, tatuagens e moto.
Era ano de 1996.

Comecei a vistar a casa de meu pai, era um apartamento no Bairro Lindóia em Porto Alegre, ao lado do Shopping Lindoia.  Era em um prédio branco com muitos blocos, janelas de persianas todas iguais. 

E quando olhávamos lá de cima, tinha um banco branco de madeira (da aqueles clássicos de praça Forest Gamp) e junto mais alguns guarda-sol. O apartamento não era muito grande. Comecei então ir visita-lo quase todos os finais de semana, aquele ambiente sempre foi muito transitado, movimentado, enfumaçado, garrafas de bebida pelo cantos, incensos, posters de bandas de rock, quadros

Muitos cinzeiros e luminárias roxas.

Então comecei a me familiarizar com o lugar, e também com o filho da minha madrasta, que depois acabou sendo meu irmão [emprestado?] pois foi criado pelo [meu] pai, tínhamos quase a mesma faixa etária de idade, fomos muito amigos.. e lembro que muito dos finais de semana que passava na casa do pai.. era com ele que me divertia, pois eu já estava aceintado aquilo de ter um pai? um irmão? uma nova familia?

Então chegava o perto da noite..

Eles (os adultos, jovens da sala) mandavam agente ir para o quarto ( eu e meu irmão) e nos trancavam, na sala lembro que havia muita gente, envolta sentada, conversando, alguns aglomerados pelo sofá e alguns espralhados pelo chão, todos fumavam muito, bebiam e falavam falavam falavam.. e o som nas caixas de som soava cada vez mais alto.


Eu e meu irmão ficávamos no quarto, e lá jogávamos videogame (um sega de fita) plugado em uma tevezinha (aquelas com radio) por que sem bem me lembro na casa deles não tinha TV. (grande)

Porque? - bem, acho que vc deve saber porque.

.. eu e meu irmão ficávamos ali trancados no quarto, jogando videogame, de tênis em cima da cama de casal, pulávamos e brincávamos de lutinha usando mascaras do cavaleiro do zodíaco, ali ficávamos, nos eramos os donos da noite...




E quando dávamos conta, nos deparávamos que já era dia.. amanhecia.

E as vozes da sala? ainda não havia parado.

terça-feira, 3 de julho de 2012

11. Você não é meu pai.



- Você não é meu pai.

     Já era noite e eu estava na casa da minha avó (paterna), deitado na cama grande de molas com edredom floreado com um xalé azul bebe por cima e um mosqueteiro também azul no quarto de minha bisavó.
Quando uma visita logo chega, mal eu pensava que o pesadelo estava por vir, o monstro, a coisa, o ser
o pai.

Meu pai?

       Ouvi então muita gente falando, minha avó gritava alto.
Então me chamaram até a cozinha e lá se encontrava um homem alto, magro, de calças jeans surradas com rasgos nos joelhos, jaqueta de couro com spikes, cintos de couro, piercings por toda parte a orelha era toda fechada com brincos, a sobrancelha raspada e também fechada com piercings, na bochecha e outros que não sei bem dizer o lugar, como um moicano pra cima cabeça raspada dos lados e para completar tatuagens em quase toda parte do corpo.
 
        E não bastando estava com ele uma mulher de cabelos muito avermelhados ( pintados) calça de couro cintura alta, também cheia de piecings.

Quando cheguei na cozinha eu criança me assustei!

Voltei ao quarto e me agarrei nas pernas de minha bisavó.
Eu realmente tinha ficado com muito medo daquela pessoa e me levaram a força, sim, a força pois aí eu já estava chorando e quando disseram 

VEM DAR OI PRO TEU PAI!
 
         Foi então que não somente já chorando, comecei me espernear e a gritar alto, tentar fugir daquela pessoa. Mas não havia saída, não tinha como fugir dali. Corri rapidamente para baixo da mesa junto com as cadeiras que me protegiam e aquele homem aquele monstro estendendo suas mãos para mim dizendo..

- Vem com o pai! Vem!

E aquela mulher assustadora, ao lado dele me observando sorrindo forçadamente ao lado dela também um menino estanho de cabelos compridos, que também parecia ter mais ou menos minha idade.

E no ato de desespero eu gritei.

- VOCÊ NÃO É MEU PAI!

Ele parou, olhou para mim, olhou para o resto da família em volta e deu um sorriso irônico e disse..

- Mas quem é teu pai então? como tu nasceu? quem te fez?!

Falava isso rindo e todos davam gargalhadas envolta da mesa me cercando.

Eu insistia chorando: Não, você não é meu pai. Você não é meu pai!
 
- Minha mãe me teve, só ela. Minha mãe me teve sozinha! dizia eu.

 Neste momento ele estava tirando da bolsa um presente para mim (é claro, como não) era um macacão de jeans (super desejado na época) ele estendia os seus braços para baixo da mesa tentado me alcançar, me agarrar, me puxar. Me comprar.

    Ele estava me expondo, tudo o que eu sentia era medo. sem saber por que.
Eu não sabia como agir, nem ao menos sabia como eram feito bebes, tudo o que eu queria era minha mãe. 

Ela era tudo o que meu pai nunca foi. M(pãe)!
  
Foi assim que conheci meu pai. Depois de 5 anos de idade.

terça-feira, 29 de maio de 2012

10. Pão, Margarina e Mosquito


10. Pão, Margarina e Mosquito

Era pão com margarina e muito mosquito a noite que agente vivia.
Era com pão margarina e mosquito que agente dormia.
Era com fedor e fumaça de “boa noite” que agente espantava.
Era com ventilador, quebrado apoiado na cadeira que o calor passava.  
Pra que ar condicionado? O vento era quente, a janela ficava aberta com as estrelas iluminando o céu.

Deitava-me naquele sofá cama, que ficava divido em três.
Tomava um copo de café com leite quente, logo Mimi pulava pra cima da cama, lia o livro da biblioteca que eu dormia.

Era escovando o cabelo no espelho e cantando John Lennon que minha mãe ficava acordada.
E meus olhos se fechavam
Eu, era feliz e não sabia.

domingo, 27 de maio de 2012

9. Feridas e raspadas de cabeça.





9.       Feridas e raspadas de cabeça.

Então ainda estando na primeira serie, na escola João Paulo IVX comecei a conhecer melhor os meus colegas, como eu estudava em uma escola de comunidade, tinham muitas crianças carentes. ( talvez até piores do que a minha situação)
Lá, conheci uma menina que já chegou na turma chorando. Era gordinha, cabelos ruivos e crespos ( curtos, mal cortados) tinha olhos claros, joelhos gordos e totalmente esfolados..
Muitas marcas e feridas de cair no chão, de tantos tombos. ( acho que ela não conseguia andar direito) ela estava sempre tropeçando, sempre caia, mal conseguia subir os degraus.

As crianças da turma perceberam a sua fragilidade e começaram então a empurra-la propositalmente ao chão, para que ela caísse realmente e se machucasse mesmo. ( faziam isso e saiam correndo)
Lembro-me que uma vez na saída para o intervalo, toda a turma saiu disparada correndo pela porta e todos empurraram aquela garotinha. Ela ficou lá chorando, todos saíram correndo na frente. ( a professora já havia saído na frente também com os alunos).

Eu logo percebi que ela estava chorando e a encontrei caída no chão.(eu também costumava sair por ultimo da sala)
Ela estava chorando muito, pois havia aberto algumas cascas de seus machucados (que haviam virado já feridas)  

Estava saindo muito sangue, escorria pela sua perna.
Então me abaixei para falar com ela tentando ajuda-la, mas não lembro o que falei
Mas naquele momento ela nunca mais saiu da minha cabeça. 

Não sei o seu nome. Não onde está.
Lembro que ficamos amigos por pouco tempo, emprestávamos nossos lápis de cor.  
Mas logo a trocaram de escola.

O que terá acontecido com aquela gordinha de joelhos esfolada?


-
Lá conheci também 2 irmãos. A Maria ( que já havia repetido a primeira serie) e o irmão dela. Eram duas crianças carentes que moravam mais abaixo do vila..
Maria sofria muito bullying, era chamada de piolhenta, magricela pela turma inteira. Não fazia as provas e não costumava estudar.
Conforme o tempo fui conhecendo melhor Maria, depois da escola eu a via voltando da creche com um bebe agarrado em seu colo (ela com a mochila nas costas e o bebe em outro braço com as pernas entre a cintura dela). 

Descobri então que era seu irmão mais novo aquele bebe e que na verdade ela tinha MUITOS irmãos,
eram todos muito pobres e a mãe deles era trabalhava com Carroça (de cavalo), reciclando para poder sustentar o restante dos filhos. 
 
Muito pobre perto de mim e minha mãe, com aquele salario de 150, 00 de merda na época.
Foi então que comecei a ficar amigo de Maria, peguei piolho de Maria. E eu adorava e dava a mínima para aquilo. Afinal tinha a cabeça raspada constantemente.

Certa vez Maria chegou na sala com a cabeça completamente raspada também. Pois a mãe dela havia recebido reclamações vinda de outros pais e viu-se obrigada a raspar a cabeça de todos os filhos.

O nível de bullying foi bem MAIOR.

Mas ela enfrentava todos, falava palavrão, revidava e parecia conseguir lidar bem com tudo aquilo. Era invocada e batia se fosse preciso. Todos tinham medo dela.

Uma vez descobri que na saída da escola a Maria passava lá na cozinha do refeitório para levar Leite   ( em uma garrafa pet de plástico de 2 lt) e algumas bolachas Maria ou o que sobrava do dia pra casa, para seus outros irmãos menores.
Ela fazia isso com frequência, pois depois que ficamos amigos éramos sempre os últimos a sair daquela escola, comecei a ajudar ela a carregar as coisas até uma parte do caminho.

Voltávamos sempre alegres, cantando ou rindo de alguma coisa.



Hoje eu só consigo pensar, de onde ela tirava aquela confiança toda.
Aquela alegria?

- Obrigado Maria.



sexta-feira, 25 de maio de 2012

8. Mimi, a minha gatinha.


8.       Mimi, a minha gatinha.

Foi naquela padaria (que mais parecia uma garagem) que estava fixado uma folha escrita: 

- Doam-se gatinhos.

Imediatamente naquele momento, puxei a saia da minha mãe e disse:

- Mãe, eu quero aquele!

Lembro que fomos até atrás do balcão onde se encontrava uma pequena caixa de papelão, forrada com jornais velhos, onde estava muitos filhotes de gatinhos, todos aninhados.
Pequei o mais diferente entre eles, era o malhadinho na cor cinza de olhos verdes (o mais comum). Aquele foi um dia muito especial para mim.  Meu primeiro animal de estimação! Emoção que toda criança deveria ter.

Foi então que eu e minha mãe colocamos aquele pequeno pedaço peludinho, que não parava um momento quieto de miar, enrolamos em um saco plástico, pois tinha um vento muito forte, amarramos tudo e colocamos naquela cestinha da bicicleta caloí,  viajava apenas com a cabeça para fora observando tudo ao seu redor...

E lá íamos eu e minha mãe para casa, andando, empurrando aquela bicicleta rosa com nosso mais novo companheiro gatinho – no mesmo instante já escolhemos o nome.

ERA MIMI!
Não sabíamos o sexo ainda, mas era mimi.
Pra sempre Mimi.
-

Descobrimos depois que Mimi, vinha ser uma gatinha!
Oh que surpresa! ( minha mãe ainda ficou ressabiada, pois ela poderia vir a ter crias, foi que disse) Mimi, era minha fiel escudeira, minha confidente. Dormia sempre comigo.

Nossa casa era de madeira velha, a porta realmente era muito velha, a madeira já havia apodrecido, então abrimos um buraco na parte de baixo ( para que a Mimi pudesse sair a noite.. e voltar)

Sempre quando eu voltava da escola, chegava e esperava a minha mãe na casa da Dona Maria, que dividia conosco ( aquela senhora bêbada..) a Mimi estava lá, na frente da porta me esperando, sentadinha.

Era sempre, toda vez que eu minha mãe saiamos e voltávamos tarde da noite,
Lá estava a Mimi, sentada na frente do portão de entrada esperando a gente, logo quando ela nos via próximo chegando, disparava correndo em nossa direção.
( lembro me que assistia tudo sentado no banco de trás da bicicleta)
E lá vem a  Mimi, miando enlouquecidamente, envolta da bicicleta nos acompanhando.

Eu a amava.
( até hoje não consigo entender, como ela era tão esperta e porque fazia isso?)

Lembro-me das vezes, que eu e minha mãe tínhamos que armar de fugir escondido para a Mimi não ver a gente sair. Por que senão ela queria vir atrás. ( e nos preocupava)
Existia vezes que ela vinha realmente corrente atrás de nós pela bicicleta, miando, miando...
Gritando. Chorando.

E eu dava tchau para ela, com uma mão agarrada na cintura de minha mãe e a outra abanando, sentado na cadeira de trás da bicicleta...

Eu gritava:

- tchau mimi.
- tchau,

E lá voltava ela a sentar no meio fio da calçada, com as patinhas retinhas quase em pé.
E apenas piscava os olhinhos..

E assim eu a via desparecer...

7. O presentinho



7.       O presentinho

Pois bem, meu primeiro presente foi em um aniversario feito na sala de aula. (quando ainda estava na primeira serie). 

Era o aniversario da Bianca. Morena indiazinha.
Recebi um belo convite, pois afinal era colega dela. Corri direto contar para minha mãe, pois eu precisava de um presente urgente. ( pois queria ser aceito e ser igual. todos iriam levar) eu como eu adorava ganhar presente, gostava muito de presentear também.

Eu e minha mãe fomos, a uma lojinha onde vendia vários artigos de papelaria, materiais escolares, bonecas enfim. Foi quando me apaixonei por um prendedor de cabelo estampado ( da minnie) pois era o maximo que minha mãe podia gastar ( custava em torno de uns 2,00 ou 1,99).

Eu fiquei deslumbrado como o meu primeiro presente! Não queria dá-lo. (Na verdade queria pra mim). Então no aniversario da Bianca, todos arrastaram as mesas, entrou o bolo os docinhos, e todos foram dando seus presentes.. ate que chegou minha vez, Bianca olhou para meu presentinho em um pacotinho (minúsculo

disse: - Só isso?

Na mesma hora, (sem entender) fui tirando minhas canetinhas hidrocores e meus lápis e meu apontador colorido.. coloquei em sua mão rapidamente, sorrindo.

disse -  tem mais isso!

Bianca, pareceu dar a mínima pois havia ganhado presentes mais interessantes (do que o meu)
Eu estava feliz, com um sorriso enorme por fazer aquilo. Eu estava feliz por ela. Eu adoraria ganhar aquilo.
Mas algo me dizia que estava faltando. algo.

E apartir daquele dia eu começei a perceber algumas coisas...

quinta-feira, 24 de maio de 2012

6. Boióla

6.       BOIÓLA

- Ô Boióla. risadas ao fundo.

Foi essa palavra estranha (ofensa?) que ouvi pela primeira vez no meu primeiro ano de escola, ainda me lembro do dia. Foi quando a professora Marcia estava falando com a turma e eu não queria atrapalhar, levantei da cadeira e sorridente, entusiasmado exclamei:

Querida, professora!

Eu era uma criança muito inocente e educada digamos assim. Eu amava o fato de ir para escola, eu esperava tanto o dia em que isso chegasse. Aquilo era o máximo pra mim. foi. 

Quando ouvi boióla, bem, eu não sabia bem o que aquilo significava. mas me lembro perfeitamente da professora, ter xingado alguns do meninos que disseram isso. 
E a turma quase inteira riu, eu fiquei pensando..

o que isso? que palavra estranha é essa? porque eles riram?
O que isso quer dizer? é bom? é ruim¿ será que gostaram de mim?
tente pensar o que se passava naquela mente confusa de apenas uma criança.
Cheguei em casa naquele dia, e perguntei a minha mãe.

- Mãe o que é boióla?

Ela simplesmente, me abraçou forte. E disse que não era nada. Mas eu também sem entender nada, não entendia o porque daquilo, por que ela estava me abraçando?

Alguém morreu?